
Por: Mariana Pontual
A primeira vez que ouvi falar do Web Summit foi no ano passado ao ler o report do YOUPIX sobre o festival. Lembro exatamente de ter pensado: “poxa, que legal deve ser esse evento. Que sonho poder participar e escrever sobre todas essas tendências da tecnologia.” E não é que às vezes os nossos sonhos se tornam realidade? Um ano depois, cá estou eu em Lisboa, escrevendo sobre o terceiro dia do Web Summit 2019 para ninguém menos que o YOUPIX! 😍(Obrigada, Amanda Costa e Bia Granja, pela graça alcançada).

Durante quase oito horas de programação, 39 pessoas (e um robô) subiram ao Centre Stage do Web Summit e apresentaram 14 painéis no dia 07 de novembro, último dia da quarta edição do evento. O temas abordados foram os mais diversos, de fintechs à música do futuro, passando pelo vício em tecnologia e pelo revival da luta livre americana. Mas o que realmente deu o tom da programação foram as questões políticas da tecnologia, especialmente aquelas envolvendo as “big tech companies” (aka Facebook, Google, Apple, Amazon etc).
A seguir confira o que está em alta e o que está em baixa na “bolsa de valores” da tecnologia, segundo experts como Margrethe Vestager, Comissária da União Europeia para a Concorrência, apresentada como a “mulher mais poderosa da tecnologia” hoje; Sir Martin Sorrell, fundador do WPP, maior grupo de publicidade e relações públicas do mundo; Mitchell Baker, co-fundadora da Mozilla; Kumi Naidoo, secretário-geral da Anistia Internacional; e Michael Kratsios, CTO da Casa Branca, nos Estados Unidos. Façam suas apostas!

O que está em alta ⬆
Inteligência Artificial (IA)
A crescente presença da IA nas nossas vidas permeou diversos debates ao longo do dia. O músico Jean-Michel Jarre, participante do painel “A Música em 2030”, disse que a IA é hoje “uma grande área cinza” para os profissionais do setor, que temem que os computadores inteligentes assumam, em breve, a função de compor música, assim como já fizeram com a curadoria entre tantas outras atividades. No entanto, ele se definiu como um otimista: “a gente tende a ser pessimista com o futuro porque nos damos conta de que, em algum momento, não vamos mais fazer parte dele. Mas isso não quer dizer que ele será pior. O futuro pode, inclusive, ser melhor que o presente.”
A IA foi protagonista também do momento futurista da programação, com a presença no palco de Spot, um simpático robô com ares de cachorro desenvolvido pela empresa Boston Dynamics. Com diversas aplicações, que vão da indústria ao entretenimento, Spot serviu para lembrar que a tão falada Internet das Coisas é uma realidade e que basicamente nós já estamos vivendo num episódio do desenho “Os Jetsons”.
Regulamentação
Enquanto o governo dos Estados Unidos, representado pelo CTO da Casa Brasa, Michael Kratsios, se vangloriou de intervir o mínimo possível para deixar os “cidadãos americanos livres para empreender e inovar”, a Europa mostrou que está disposta, sim, a colocar limites. Personalidades como Margrethe Vestager, Comissária para a Concorrência, e Věra Jourová, Comissária para Justiça, Consumo e Igualdade de Gênero, demonstraram a profunda preocupação com a regulamentação das empresas de tecnologia por parte da União Europeia.
“Se você olhar para os lançamentos recentes do Google, para os planos do Facebook Libra, para os novos serviços de streaming da Apple, você vê apenas ambições maiores. Isso mostra que chegamos à uma fase em que a aplicação da lei da concorrência só pode fazer parte do trabalho. Nós precisamos encontrar o nível certo de democracia para enquadrar a tecnologia e dizer: é assim que vocês (companhias) devem nos servir”, afirmou Margrethe, em um dos painéis mais aplaudidos do dia.

Mas a regulamentação está longe de ser uma questão restrita aos círculos políticos e aos países ricos — ainda bem! Jovens empreendedores atuantes no mercado, como a engenheira de computação romena Mada Seghete, além de membros da sociedade civil, como o sul-africano Kumi Naidoo, da Anistia Internacional, ressaltaram em suas falas a importância da regulamentação para frear abusos, sejam eles econômicos ou sociais.
Olhar de longo prazo
Em um mundo cada vez mais veloz, a agilidade para tomar decisões de curto prazo é fundamental, mas é a capacidade de olhar para o futuro que determina o sucesso de um projeto, especialmente no setor de tecnologia. Dessa forma, a “construção de marca de longo prazo” foi apontada por alguns dos mais bem-sucedidos profissionais que subiram ao palco do Web Summit 2019 como o verdadeiro segredo de sucesso para qualquer empresa ou profissional.
“A maioria das empresas hoje tem CEOs que ficam apenas cerca de cinco anos no cargo, e se dedicam prioritariamente às questões de curto prazo. Mas o que faz o sucesso de gigantes da tecnologia como Facebook, por exemplo, é justamente a presença de Mark Zuckerberg, que está à frente da companhia há muitos anos e é responsável por olhar para os interesses de todos os stakeholders”, afirmou Sir Martin Sorrell, que tem no currículo mais de 30 anos como CEO da WPP.
O que está em baixa ⬇
O superpoder das “big tech companies”
Quando você pensa em uma empresa de tecnologia, qual é o primeiro nome que vem à cabeça? Muito provavelmente Google, Apple, Facebook ou Amazon — já chamado de grupo GAFA — estão logo no topo da lista. E não é só a cabeça dos consumidores que elas dominam, mas a dos especialistas também: todos os 14 painéis do terceiro dia de Web Summit, independentemente do assunto, citaram pelo menos uma dessas companhias ou algum dos seus serviços. Eu contei.
Todo esse superpoder social e econômico está sendo colocado em cheque e a possibilidade de se “quebrar as big techs” está na agenda política mundial. Prova disso é que o assunto ganhou um painel específico, o “Breaking up Big Techs”, com Kumi Naidoo e Věra Jourová. A comissária da União Europeia comparou a possibilidade de se fechar as companhias como uma “bomba atômica” e acha muito improvável que isso ocorra. De acordo com ela, seria uma ação muito drástica, além de não solucionar o problema, porque outras empresas com modelos de negócio semelhantes poderiam continuar a surgir.
Mas os dois participantes concordaram que é fundamental tomar medidas concretas com relação à desigualdade de forças presente hoje no mundo digital. Questões como competição, conteúdo ilegal e prejudicial, cibersegurança e autonomia do usuário foram apontadas como as mais urgentes. “Não é apenas sobre privacidade. É sobre dar a essas empresas o seu potencial de viver como um ser autônomo com a sua própria identidade”, declarou Naidoo.
Dados para a vigilância
A coleta de dados extensiva e pouco transparente liderada pelas “big techs” é uma das grandes responsáveis pela crise de reputação que essas empresas estão vivendo hoje, segundo os participantes do Web Summit. Para provar o ponto de que o “capitalismo da vigilância” foi longe demais, Naidoo chamou atenção para uma frase do ex-CEO do Google, Eric Schmidt: “nós sabemos onde você está, nós sabemos onde você foi e nós sabemos mais ou menos o que você está pensando agora”. Assustador, não? 👀
Mas nem tudo está perdido. Diante desse cenário, os novos empreendedores do digital já estão demonstrando mais cuidado com relação à coleta de dados dos usuários, como ficou claro no painel “Começando a revolução: a nova geração dos gigantes da tecnologia”. “Nosso negócio precisa de dados, mas nós fazemos questão de deixar claro para os clientes quais informações coletamos e eles também sabem exatamente o que irão receber em troca”, afirmou o brasileiro Henrique Dubugras, co-fundador e co-CEO da startup Brex. Mada Seghete, co-fundadora da Branch, disse que uma empresa não precisa de toda a informação disponível sobre um usuário para entregar um bom produto e que, por isso, “nós nos comprometemos a manter conosco o mínimo de dados possível”.
Lucro acima de tudo
“Quando nos perguntam se somos lucrativos, nossa resposta é: estamos tentando muito não ser.” Essa afirmação foi feita por Josh Luber, co-fundador do e-commerce StockX, e ressalta o compromisso da empresa de investir todo o dinheiro que “sobra” no próprio negócio. “O crescimento é importante, mas ainda é supervalorizado”, completou.
Parece uma visão utópica, afinal se você está começando um negócio e precisa de um investidor, ele vai querer saber como você espera lucrar no futuro, certo? Mas que o universo das startups pode ir mesmo além de crescimento e lucro, com isso empreendedores e analistas financeiros parecem concordar. “Todo investidor sabe que nenhuma empresa vai do zero à grandeza numa linha reta”, ponderou Rytis Vitkauskas, da Lightspeed Venture Partners, companhia focada em investimentos iniciais em tecnologia, lembrando que o Spotify demorou nada menos que dez anos para lucrar.
“O mais importante para um investidor é o núcleo, a base fundamental do projeto. Ajustes para promover os ‘ups’ e minimizar os ‘downs’ fazem parte do processo”, completou ele.