O incrível e problemático fenômeno dos youtubers mirins

O fenômeno dos youtubers mirins
Televisão, tremei! A 3a geração de produtores de conteúdo chegou.
O inevitável aconteceu! Crianças entre 8 e 14 anos, inspiradas por youtubers famosos e desestimuladas pelo conteúdo infantil que passa na televisão, se tornaram produtoras de conteúdo e já somam milhões de inscritos e views em seus canais do Youtube, além de atrair dinheiro de anunciantes.
por Leo Maia
O Youtube nasceu há uma década como um repositório de vídeos. Depois de alguns milhares de virais, gatinhos e bebês fofos, as pessoas passaram a entender o site como uma plataforma poderosa de distribuição de conteúdo próprio, dando início a um processo sem volta de quebra de hierarquias e paradigmas no mercado de conteúdo.

Mais e mais pessoas passaram a usar o Youtube pra publicar conteúdo e gerar receita a partir deles. Foi a 1a geração de youtubers, pessoas como Cauê Moura, Felipe Neto, PC Siqueira, que desbravaram os caminhos da profissionalização e se tornaram fenômenos de audiência, influência e business.
Seguindo os passos de quem já era referência em conteúdo, os teens foram conquistando espaço no Youtube e uma 2a geração surgiu. Só que dessa vez, a coisa já começava a tomar proporções gigantescas, com a internet cada vez mais onipresente no país, principalmente entre o público mais jovens. Canais como o Eu fico Loko de Christian Figueiredo ou 5inco Minutos de Kéfera Buchmann, passaram a tomar conta do site e da audiência, dando início ao que membros da 1a geração de youtubers chamou carinhosamente de “Youtube Teen“.

Se a 1a geração de youtubers já movimentava muitos fãs, a 2a geração deixou todos eles mais histéricos e engajados ainda. A fama na internet deixou de ser o mesmo que ser “rico no Banco Imobiliário” e se tornou sinônimo de muita influência, dinheiro e engajamento no mundo offline. Vide o recente fenômeno de youtubers cujos livros (físicos) viraram best-sellers em livrarias pelo Brasil todo. Ou então o valor cobrado na tabela por uma pessoa como Christian Figueiredo pra fazer um vídeo pra uma marca: 150 mil reais. Tudo bem concreto e real, não?

E então… o inevitável aconteceu!
Enquanto esse movimento todo acontecia, uma nova geração nasceu e cresceu consumindo mídia de uma forma diferente. Para ela, não era mais necessário esperar um desenho legal passar na TV, bastava apenas buscar e apertar o play.
Além disso, se antes os pais filmavam seus filhos e publicavam na internet, agora são as crianças que estão com a câmera na mão fazendo vídeos para as redes sociais — a gente até já comentou sobre uma nova geração de webcelebridades que está surgindo por causa desse comportamento.
Com o crescimento do Youtube e o surgimento de ídolos da plataforma, novas gerações de produtores de conteúdo se sentiram inspiradas. Supervisionadas pelos responsáveis, as crianças passaram a explorar ainda mais o potencial da internet e da criatividade em frente às câmeras.
O Youtube não divulga o tamanho do segmento infantil do site, mas reconhece o crescimento dos canais feitos por youtubers mirins. De acordo com Mariana Felice, gerente de comunicação da Google no Brasil, as crianças de hoje querem fazer parte da produção do conteúdo que consomem e não apenas assistir passivamente aos conteúdos que estão prontos para eles.
Vitor Knijnik, sócio da Rede Snack e responsável pelo canal infantil ‘Mundo de Menina’ — que já tem 210 mil inscritos e já nasceu com um patrocinador de calçados infantis — conta que uma das apresentadoras, que também é uma atriz mirim na TV aberta, mostrava grande alegria de estar ali fazendo um vídeo.
Perguntada sobre a razão de tanta felicidade, já que ela aparecia semanalmente nas TVs de norte a sul do Brasil, deu uma resposta reveladora:
“é porque agora minhas amigas vão me ver”.
Quem são os maiores youtubers mirins do país?
O segmento dos vídeos feitos por criança está crescendo e também é bastante segmentado. “As meninas, por exemplo, se concentram mais em canais semelhantes e acabam migrando para outros conteúdos, como moda e beleza. Mas não transbordam muito do universo infantil”, diz Vitor.
Mariana Felice destaca também a base de gamers da plataforma: “eles compartilham ideias, dicas e sugestões para os fãs de determinado jogo, criando seu próprio fórum de discussões”.
O maior canal mirim brasileiro é o da mineira Julia Silva, que tem 9 anos e faz vídeos falando sobre seu universo de brinquedos, personagens preferidos, viagens e brincadeiras. A garota também se arrisca a dar uns palpites em assuntos relacionados a moda, maquiagem e artesanato.
Seu canal já recebeu mais de 100 milhões visualizações, tem mais de 300 mil inscritos e está na lista dos canais que mais crescem do Youtube Brasil. Ela inclusive já lançou um segundo canal focado em brinquedos que já tem 75 mil inscritos.
Que época incrível de se viver! Uma criança de 9 anos tem vídeos com mais de 4 milhões de views. E não é só ela, outros fenômenos da 3a geração de youtubers também somam milhões de views e milhares de inscritos. Além de todo o ecossistema de canais e fãs de Minecraft (que tem muita aderência com a galera dessa idade), os canais que estão bombando agora são vlogs que falam de variedades, brinquedos, cotidiano, escola:
Manoela Antelo, 9 anos, 290 mil inscritos, 70 milhões de views:
Carol Santina, 12 anos, 167 mil inscritos, 10 milhões de views:
Isabel, de 8 anos, 169 mil inscritos, 40 milhões de views:
(PS: sua irmã Nina, de apenas 3 meses de vida também já tem um canal com 23 mil inscritos, gerenciado pela mãe de ambas, do canal Penteado para Meninas).
Janine Vitoria, 14 anos, 100 mil inscritos, 26 milhões de views:
Duda Brucceli, 54 mil inscritos, 13 milhões de views:
Felipe Calixto, 14 anos, 38 mil inscritos, 3.5 milhões de views:
Amanda de Carvalho, 10 anos, 35 mil inscritos, 7 milhões de views:
Rah Lima, 33 mil inscritos, 2.5 milhões de views:
Laís Foguel, 11 anos, 24 mil inscritos, 3.5 milhões de views:
Carol Caelo, 13 anos, 13 mil inscritos, 770 mil views:
(Além de vlog, ela também faz webséries incríveis em stop motion, como a “Ever After High” e “O Bosque”)

Fama & Grana
A força e tamanho dos canais produzidos por crianças ainda não foi percebida pela maioria das pessoas. Vitor explica que esse é um universo que é visto com uma certa curiosidade, onde se pinçam crianças que são tratadas como mini talentos do entretenimento. Mas na verdade estamos falando de um fenômeno que não é particular e que já faz parte do cardápio dos hábitos de consumo de mídia de uma geração.
Esses youtubers possuem seguidores fiéis que acompanham seus vídeos e que ficam emocionados quando encontram com eles. As marcas já começam a aproveitar esse engajamento pra promover encontros de “youtubers mirins” (expressão que eles mesmos reconhecem), como por exemplo os encontrinhos que rolaram nas lojas da Ri-Happy ou da LongJump. Dá uma olhada nos fãs a partir de 26m50s:
Um estudo recente da Zenith Optimedia revelou que o vídeo online será a mídia com maior crescimento em investimento publicitário nos próximos 3 anos (2015 a 2017), com um média de 29% ao ano. Em 2014 esse mercado teve um crescimento de 34%, movimentando mais de 10 bilhões de dólares.
Com o aumento do conteúdo produzido por crianças e para crianças, este passou a ser um nicho desejado pelos anunciantes, “[os canais] estabelecem um diálogo com o público, situação diferente dos canais à cabo dedicados ao público infantil como Discovery Kids, que são elaborado por adultos”, compara Vitor da Rede Snack.
A maioria dos canais é parceiro do Youtube, o que significa que eles podem monetizar seus vídeos com anúncios antes, durante ou depois da exibição dos vídeos. Nenhum dos canais revela valores. Um levantamento recente elaborado pela consultoria Outrigger Media constatou que Charli, americana de 8 anos dona do canal CharlisCraftyKitchen, com 320 mil inscritos e 300 milhões de views, tem um rendimento estimado de cerca de U$128 mil por mês com publicidade no Youtube.
O mercado dos EUA e do Brasil são muito diferentes em termos de grana, mas podemos usar como base pra tentar estimar quanto uma youtuber como Julia Silva, por exemplo, que tem 300 mil inscritos e 100 milhões de views, possa estar faturando apenas com publicidade no Youtube.
Além de adsense, os youtubers mirins já ganham dinheiro pra aparecer em encontrinhos promovidos por marcas e lojas, realizar promoções e merchandising em seus vídeos, inserir oferecimentos de marcas em seus canais e até pra participar de campanhas publicitárias, como é o caso de Julia Silva, que foi protagonista do comercial do caderno da Barbie recentemente:
O próprio Youtube já viu o potencial desse mercado e lançou recentemente o Youtube Kids, aplicativo que por enquanto está disponível apenas nos EUA, mas que limita o conteúdo acessado de acordo com a idade da criança.

Mas nem tudo são flores…
É realmente incrível que essas crianças estejam produzindo seu próprio conteúdo e também muito emblemático, já que quanto mais jovem a geração mais ela traz mudanças importantes (e sem volta) no comportamento de consumo de mídia e conteúdo.
Tentamos entrevistar os pais de algumas crianças pra entender melhor como eles enxergam questões como a overexposição de seus filhos na internet e também a exploração comercial da imagem deles, mas todos se recusaram a comentar esses assuntos.
A idade mínima pra ter um canal no Youtube é de 13 anos. Ao youPIX, o Youtube informou que os canais infantis parceiros da plataforma são supervisionados pelos pais das crianças e que todo o contato é feito com os responsáveis.
No começo do ano tivemos um caso que levantou esses temas e foi amplamente discutido na internet: o da Blogueira Fitness Infantil. Muito de polêmica girou em torno da temática — uma menina de 9 anos já escrava do culto ao corpo — mas também envolveu as questões que tratamos acima.
Sabemos que a relação com a privacidade é bem menos rígida pra gerações mais jovens — que já nascem e crescem inseridas nessa cultura de overexposição. Se expor é a regra e não a excessão. Mas quando estamos falando de crianças, é consenso geral de que não é bom, saudável e seguro postar indiscriminadamente coisas sobre elas na internet.
É bizarro que crianças estejam se overexpondo na internet? Sim. Mas ao mesmo tempo não é. Tem muito a ver com a geração. Mas uma coisa é postar sobre sua vida online porque essa é a maneira de se manter na conversa social de hoje em dia. Outra coisa é fazer isso com o intuito de ficar famoso e ganhar dinheiro. Criar um canal pra sua filha de 8 anos e incentiva-la a gravar vídeos semanais em troca de fama e dinheiro passa que tipo de mensagem pra essa criança?
O fato de que nenhum pai quis comentar essas questões nos mostra o quanto essas questões ainda precisam ser resolvidas.
Essa é a primeira vez que estamos lidando com o fenômeno de crianças produzindo conteúdo na internet em larga escala. Ao mesmo tempo que é empolgante ver o quanto os hábitos de consumo de mídia mudaram, é também preocupante pensar no significado disso tudo e nos impactos que isso pode ter nessa geração.
Por enquanto, ninguém tem as respostas.
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