Desobediência digital

Desobediência
Sobre a necessidade de mandar
o Waze tomar no cu
por Bia Granja para a Revista Galileu
Eu tenho uma neura tão grande de gente me dando ordens que me irrito com a mulher do Waze me falando para virar à esquerda, à direita ou seguir em frente. Será que não dava pra ser menos mandona e de repente mudar a frase pra “que tal virar à direita?”, “seguir em frente pode ser uma boa opção, o que você acha dela?”. Me incomodaria menos.
Você pode achar que sou louca por me irritar com um aplicativo e uma voz do além que estão ali pra me ajudar. Mas já parou pra pensar que quanto mais você usa o Waze, menos tem controle sobre o seu caminho? Você chega a um lugar e não tem a menor noção de como foi parar ali. Se o celular perde o sinal periga ficar preso em algum ponto da cidade e só ser resgatado dali a alguns dias.
Parece idiota, mas isso tudo tem a ver com escolhas. Às vezes, no mundo digital, não percebemos que outras pessoas, aplicativos, robôs, algoritmos ou corporações estão nos impondo caminhos, estilos de vida ou opiniões.
O Facebook, por exemplo, vive escolhendo o que você vai ver, ler ou assistir na sua timeline. As coisas que aparecem ali não são apenas as atualizações de todas as páginas e posts de amigos, existe um algoritmo pesado que analisa suas ações dentro e FORA (!!!) da rede social e te mostra conteúdo de acordo com elas.
O mesmo acontece com o que publicamos nas redes sociais. Estamos sempre pensando no que os outros vão pensar das nossas postagens. Será que estou bonita o suficiente nessa selfie? Será que esse prato vai deixar todo mundo babando no Instagram? E essa viagem, será que vai fazer bonito na timeline? Será que vou agradar?
Todo dia deixamos de fazer escolhas no mundo digital e nem percebemos o quanto nossas vidas vão sendo moldadas por algo que às vezes não nos representa. Uma certa dose de desobediência é essencial pra que a gente tenha uma posição menos reativa em relação ao mundo e consiga realmente explorar esse universo digital cheio de possibilidades sem nos tornarmos reféns dele. Por isso, da próxima vez que o Waze te mandar virar à direita, primeiro mande ele tomar no cu e daí sim vire à tal da direita como ele mandou.
Originally published at revistagalileu.globo.com.